data-filename="retriever" style="width: 100%;">Maravilha das maravilhas: o verão chegou em outubro, quase como um anexo das primícias primaveris! Está bem, amiga, aceito o puxão de orelha e retiro as tais "primícias primaveris". Digamos, então, que o estio (amigo, estio é sinônimo de verão) chegou tão logo se fizeram visíveis os primeiros sinais da primavera. E depois de uma rabugenta e enregeladora invernia, que parecia não ter fim. Mas, sabemos, desde as lições avoengas (avoengo o amigo sabe o significa, não é?) que "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe". Aliás, afora nossa caminhada pela eternidade, nada é para sempre. Logo não posso me entusiasmar demais com esse "calorzinho" gostoso que chegou semana passada. Quem garante que o inverno, com seu cenho franzido e o gris úmido e encarangado das paisagens, não retornará dia desses para açoitar minhas democráticas esperanças de luz e calor?
Como, amiga, a senhora andava meio saudosa de textos meus mais açucarados?! Ah, sim, de textos mais líricos, construídos com características linguísticas próximas da prosa poética. E a senhora acha que o início desta crônica revela, ainda que inconscientemente, minha necessidade de retomar esse caráter textual, que, pelas circunstâncias em que foi acertada minha colaboração com o jornal, não desenvolvi aqui no Diário. E a senhora gostou dessa retomada!
Então, se bem entendi, nada de falar de política e corrupção, das incertezas da saúde e das precariedades da educação, da violência e da insegurança, da sonegação e dos sonegadores. Nada de falar de incompetências e desgovernos. Nada de falar das injustiças e da Justiça. Das desigualdades sociais e dos desequilíbrios econômicos. Em síntese, a senhora quer que eu fique entre o descompromisso com a realidade - realidade que pesa, que é fardo, que é árdua - e o sonho, o devaneio, os amores e as paixões, que são leves, ternos, macios. É isso?
Apesar da alegria pelo calor e do sol que aquece nossas almas e corações e nos deixa mais despojados, não posso me comprometer de forma definitiva apenas com a leveza e a candura. A vida de um cronista de jornal (está bem, foi acertado que eu seria articulista e não um fazedor de crônicas), tanto quanto eu, a senhora sabe, se faz disso tudo e, tudo isso, desde o mais aterrador pesadelo, que vira realidade, até o mais doce sonho aninhado no colo da amada, é matéria-prima da crônica.
A escolha do tema é que, na maioria das vezes, depende da vida e das circunstâncias (para recordar Ortega y Gasset) do cronista no momento da produção do texto. Vezes haverá em que será impossível falar de coisas "pesadas", tristes ou que nos causem revolta; outras, no entanto, imporão ao texto o peso da tristeza, do inconformismo, da insubmissão ao que está posto e que nos põem a todos circunstancialmente desalentados com o porvir (alguma dúvida quanto ao significado da expressão?).
Mas, hoje, amigos, mesmo que o céu se tolde e a chuva caia, quero saudar o sol benfazejo que nos iguala, sem distinções de quaisquer espécies, no desejo da vida e na perspectiva da paz, do amor e da luz. Das tristezas, que não são poucas, sempre haverá tempo para se falar